Panorama de HIS no Brasil

Nesta seção apresenta-se um panorama das características das edificações de HIS no Brasil. A caracterização desta tipologia habitacional foi dividida em quatro aspectos: envoltória, aquecimento de água, entorno e tecnologias construtivas inovadoras. Buscou-se compreender quais os principais fatores que caracterizam estes aspectos na habitação de interesse social.

Envoltória

Principais estudos

A envoltória, ou envelope, pode ser definida como o conjunto de elementos que separa o ambiente interno e externo da edificação. Sendo assim, a envoltória é responsável pelas trocas térmicas entre esses ambientes, e as técnicas e os materiais que a constituem podem acelerar ou retardar a velocidade com que essas trocas acontecem. Além disso, a envoltória condiciona a transmissão de iluminação natural, som e ventilação natural no ambiente interno.

Por estar em contato direto com o meio externo, a envoltória deve ser adequadamente projetada de acordo com o clima em que a edificação se insere. A norma brasileira NBR 15220-3:2005 estabelece as zonas bioclimáticas brasileiras e respectivas estratégias construtivas. Assim, as estratégias podem ser usadas para adaptar a envoltória das edificações às necessidades decorrentes dos diferentes climas do país. Além disso, a norma NBR 15575:2021 estabelece o desempenho de habitações, em especial a parte 11 estabelece os requisitos de desempenho térmico. Na avaliação de desempenho térmico, o projeto da habitação é comparado à condição de referência (condição padrão de propriedades térmicas da envoltória, tamanho das aberturas, ocupação e cargas internas) e os indicadores de desempenho são comparados entre condição real e referência. A redução proporcionada pela condição real em relação à referência vai determinar o atendimento ao nível de desempenho da habitação (se mínimo, intermediário ou superior). Os indicadores da norma de desempenho são:

  • Carga térmica de aquecimento (kWh/ano): quantidade de calor a ser fornecida ao ar para manter as condições desejadas em um ambiente;

  • Carga térmica de resfriamento (kWh/ano): quantidade de calor a ser retirada do ar para manter as condições desejadas em um ambiente;

  • PHFT (%): percentual de horas de ocupação dentro de uma faixa de temperatura operativa - razão entre as horas de ocupação dentro de uma faixa de temperatura operativa estabelecida e o total de horas de ocupação do ambiente;

  • Temperatura Operativa (°C): valor médio entre a temperatura do ar e a temperatura radiante média do ambiente;

  • Temperatura Operativa Mínima (°C): temperatura operativa mínima, em resolução horária, atingida em um ambiente dentro da UH avaliada;

  • Temperatura Operativa Máxima (°C): temperatura operativa máxima, em resolução horária, atingida em um ambiente dentro da UH avaliada.

Apesar da existência de diretrizes construtivas e de estudos relacionados a esse tema, ainda é priorizado o baixo custo das edificações dos programas habitacionais em detrimento dos interesses e do conforto do usuário, resultando em baixo desempenho térmico e, consequentemente, baixa eficiência energética (BAVARESCO et al., 2021). Ratificando esse dado, o estudo do IPEA mostra que, dentre cinco indicadores de satisfação com a unidade habitacional avaliados, a temperatura apresentou a segunda pior avaliação, evidenciando o baixo desempenho térmico das habitações e o descontentamento dos usuários com o conforto térmico, em especial em climas mais quentes (BRASIL, 2014).

No estudo da Evolução Normativa do PMCMV, relativo aos aspectos de Eficiência Energética (BRASIL, 2019), incluiu-se uma avaliação em torno de parâmetros construtivos e sistemas que possam ter alguma influência na eficiência energética das edificações do PMCMV. Entre esses parâmetros, a envoltória é destacada como um aspecto fundamental, em especial o fator solar dos vidros e a transmitância térmica das paredes e da cobertura, que são aqueles de maior impacto no desempenho energético da edificação.

Após essa análise, ainda foram realizadas entrevistas com os atores que participaram da execução dos projetos, avaliando as necessidades e dificuldades encontradas. Observou-se que a viabilidade econômica ainda é um empecilho em relação ao atendimento de normativas ou implementação de Medidas de Eficiência Energética (MEE), além do atendimento à Norma de Desempenho, que continua sendo encarado como um desafio. A viabilidade econômica é um tópico importante, pois existe uma disparidade nesta questão: enquanto a habitação em si é construída com recursos públicos, que devem atender a uma alta demanda de construção para suprir o déficit habitacional, as contas durante a fruição da edificação são pagas pelos usuários. Ou seja, são personalidades diferentes que fazem o investimento inicial e que usufruem do produto. Desta forma, um investimento inicial maior em estratégias de eficiência energética não traz benefícios para quem está investindo, somente para quem usa a edificação. Triana et al. (2018) defende que os investimentos em eficiência energética são altamente atrativos no ciclo de vida da edificação, especialmente considerando as mudanças climáticas. Porém, quando analisados somente no investimento inicial, de fato encarecem o custo de construção.

Algumas pesquisas trataram especificamente de características que levam a uma maior eficiência energética de habitações:

  • Dornelles e Roriz (2006) definem a absortância solar das superfícies externas como o fator que exerce maior influência nos ganhos de calor solar em uma edificação, exercendo forte impacto sobre suas temperaturas internas. Através de um experimento onde foram avaliadas diversas amostras pintadas de cores diferentes, os autores concluíram que para diversos casos, em especial em baixas latitudes, os ganhos de calor devido à absortância podem representar mais da metade da carga térmica total da edificação.

  • Seguindo a mesma linha de pesquisa, De Souza et. al (2022), por meio do método de simulação da NBR 15575-11:2021, afirmam que, para o caso estudado, sistemas de cobertura com e sem isolamento térmico não apresentam grandes diferenças em níveis de desempenho térmico quando a absortância em ambos os casos é baixa. Além disso, a pesquisa mostra que, para uma residência térrea localizada na cidade de São Paulo, a adição de isolamento térmico no forro, juntamente com a utilização de telha isolada, não resulta em melhora significativa no desempenho térmico na edificação, que fica próximo ao de casos com telha simples e forro isolado.

  • Liaw et al. (2023) analisaram, a partir de simulação acerca da variação interna da temperatura de uma unidade habitacional de baixa renda em Uberlândia/MG, a influência de estratégias de ventilação natural e o uso de materiais sustentáveis e eficientes em energia. A partir desta análise, os autores concluíram que, para o caso avaliado, o aumento na porcentagem de abertura da janela e a modificação no tamanho da janela, além da adoção de paredes com poliestireno expandido (EPS) e/ou janelas com vidro temperado verde contribuíram para a redução da temperatura interna da UH no caso analisado.

  • Triana et al. (2023) desenvolveram casos otimizados para projetos de HIS energeticamente eficientes no Brasil, considerando uma análise de custo-benefício do ciclo de vida. Este estudo avaliou medidas de eficiência energética para a envoltória de edifícios representativos de tipologias unifamiliares e multifamiliares no setor de baixa renda. As medidas consideraram PHFT, consumo de energia e indicadores de custo. Com base nos resultados de custo-benefício foram desenvolvidas diretrizes para projetos em diferentes zonas bioclimáticas brasileiras. Os casos otimizados demonstraram um aumento significativo no PHFT (de 30% para 65% a 71%) em comparação com um edifício típico. Além disso, mesmo com custos iniciais mais elevados, as medidas de eficiência energética resultaram em reduções de até 22% nos custos do ciclo de vida relacionados à envoltória.

São diversas as pesquisas que tratam dos componentes da envoltória de edificações residenciais em questões de desempenho e eficiência energética, evidenciando a importância de um olhar cuidadoso para essa parte das habitações. Em vista à grande quantidade de residências entregues pelo PMCMV que apresentam resultados não desejáveis, Kowaltowski et al. (2018) encontra no retrofit a chave para atender às necessidades do usuário, o que pode ser feito por meio de estratégias e materiais inovadores. Porém, os próprios usuários acabam realizando o retrofit (adaptações), e por muitas vezes sem planejamento e apoio técnico. Dessa forma, como discutido por Kamimura (2022), as adaptações das habitações de interesse social podem tornar a habitação - e o habitar - mais ou menos agradável aos usuários. O ponto chave seria fazer com que as adaptações tenham suporte técnico para resolver o problema de habitação (espaço, conforto, reutilização), mas garantindo a saúde, bem-estar dos usuários e eficiência da residência.

Modelos de Referência

Um dos grandes problemas da habitação de interesse social é a sua replicabilidade idêntica, independente do clima, região ou necessidade da população. Esse processo de replicação fez com que as habitações com áreas extremamente reduzidas - com a justificativa de levar em conta a otimização do custo - fossem construídas durante os anos prósperos da política habitacional no Brasil.

Dessa forma, as habitações de interesse social se constituíram como uma tipologia bem definida, com características marcantes em termos de formas, organização dos espaços e linguagem arquitetônica. Alguns trabalhos buscaram explorar essas características, a partir de um banco de dados de edificações construídas, obtendo modelos de referência das habitações de interesse social. Schaefer (2019) utilizou a análise de agrupamentos a partir do desempenho termo energético, já Triana et al. (2015) analisaram parâmetros estatísticos a partir de características físicas de um banco de dados nacional. Schaefer (2019) definiu, a partir de geometrias similares, modelos de referência para tipologias de edificação. A partir desses modelos, as simulações de desempenho térmico apontaram diferenças nos resultados principalmente no que se refere aos ambientes de sala e dormitórios. Triana et al. (2015) utilizaram a média e desvio padrão como indicadores de variáveis contínuas (como área dos ambientes), e a moda (valor mais frequente) para obter referências de variáveis discretas (como tipo de janelas e portas). Essa análise permitiu a obtenção de diferentes arquétipos de habitações de interesse social para as três faixas do PMCMV. Para o Nível 1 (projetos da faixa 1), as tipologias adotadas foram: unifamiliar isolada térrea; unifamiliar geminada térrea; multifamiliar com planta em formato H com 4 e 5 pavimentos. Já para o Nível 2 (projetos das faixas 2 e 3), adotou-se: edifício multifamiliar com planta em formato linear e edifício multifamiliar com planta em formato H. Com base nesses modelos, foram realizadas simulações a fim de avaliar o desempenho termo energético desses casos nas zonas bioclimáticas 3 e 8. Apesar de utilizarem abordagens diferentes, ambos os trabalhos (Schaefer e Triana) chegaram em modelos representativos similares. A Figura 6 apresenta um croqui dos arquétipos (ou projetos representativos) definidos de acordo com as características levantadas por Triana (2016).

A partir deste estudo, Triana (2016) aponta que os projetos representativos de HIS do PMCMV não apresentam desempenho energético satisfatório quando analisados a partir do método do RTQ-R de classificação de eficiência energética do Programa Brasileiro de Etiquetagem de Edificações (PBE Edifica), do Inmetro, principalmente para as edificações da Faixa 1. Destaca-se que o mau desempenho se deve principalmente às coberturas, área de ventilação reduzidas e a área de iluminação nas janelas, em evidência para as zonas bioclimática 3 e 8, além de falta de sombreamento das janelas. A autora também ressalta, a partir de resultados de simulações, a importância das coberturas no desempenho térmico dos projetos da Faixa 1.

Para as edificações multifamiliares em altura, o pavimento onde a UH está localizada também foi apontado como ponto importante na análise do desempenho térmico. Em todos os casos analisados as UHs da cobertura tiveram um desempenho mais baixo em relação às do térreo, que apresentaram os melhores resultados devido ao contato com o solo. Além disso, pode-se destacar que algumas estratégias podem ser adotadas nas habitações de interesse social para melhorar o seu desempenho energético, como: melhoria na ventilação, no sombreamento, nas esquadrias, na absortância solar e redução da transmitância térmica em coberturas e paredes, entre outras (Triana, 2016).

Na literatura ainda é apontada a problemática acerca da incerteza e a variabilidade dos resultados, que podem ser muito diferentes conforme as alterações dos agrupamentos, uma vez que são várias as maneiras que esses elementos podem ser separados, considerando variados critérios. Por este motivo, sugere-se que haja bastante criticidade na escolha das medidas de separação das medidas de agrupamento.

No projeto EEDUS conduzido pelo LabEEE, foram elaboradas cartilhas de casos otimizados que facilitam a visualização e resumem os resultados das melhores estratégias, em termos de custo e benefício no ciclo de vida, para as tipologias Multifamiliares e Unifamiliares. São consideradas estratégias de envoltória como faixa de transmitância térmica das paredes, da cobertura, absortância térmica das paredes e cobertura, tamanho das aberturas e necessidade de sombreamento.

Aquecimento de água

A revisão de literatura sobre os sistemas de aquecimento de água foi contextualizada de modo a mostrar os principais estudos, documentos e referências existentes sobre o tema no país relacionados às HIS. Foram realizadas pesquisas em bancos de dados nacionais e internacionais, bem como a inclusão de relatórios e outros documentos publicados em português.

O uso de água quente em edificações é fundamental para que usuários tenham conforto durante tarefas domésticas básicas, como o uso durante o banho. Brecht et al. (2016), por exemplo, realizaram um panorama completo sobre o estado da arte de aquecimento de água no país. Os autores avaliaram quais os sistemas utilizados, as características que influenciam no consumo, panoramas energéticos futuros para o país, as pesquisas existentes de posse e hábitos, entre outras especificidades. Também indicaram os incentivos brasileiros existentes por meio de legislação e etiquetagem, como formas de fomento para a aplicação da tecnologia. Ou seja, há interesse em otimização do aquecimento, uma vez que é um importante processo.

Em relação às tecnologias, cita-se que no Brasil é primordialmente utilizado o chuveiro elétrico, com a concordância com a Pesquisa de Posses e Hábitos realizada em 2019 (PPH, 2019) no âmbito do Procel. De acordo com a pesquisa, e posterior análise por Teixeira et al. (2022), a presença de chuveiro elétrico é dominante como método de aquecimento de água no país. O estudo é corroborado por outras pesquisas no mesmo âmbito, como o trabalho de Zoellner (2005), que estudou o impacto de chuveiros elétricos na conta de energia elétrica de edificações residenciais no Brasil. De modo geral, chuveiros elétricos são responsáveis por até um terço do consumo de energia elétrica residencial, dependendo da região do país situada.

Apesar da presença de outras tecnologias para aquecimento de água, o uso de chuveiros elétricos é amplamente dominante no Brasil, com menor uso no âmbito mundial. Outras possibilidades de aquecimento de água conjugam o uso de aquecedores a gás, energia solar, bombas de calor, e a junção destas tecnologias com reservatórios de água quente. A acumulação é uma das possibilidades de aquecimento de água, na qual faz-se a elevação da temperatura do reservatório até um valor usual entre 50 e 70°C e posterior utilização. Para estes modelos também é necessário avaliar os métodos de controle de temperatura e o meio de controle dos usuários. A Tabela 1 mostra alguns estudos disponíveis na literatura sobre os diferentes sistemas de aquecimento de água e a comparação realizada pelos autores.

Tabela 1 - Estudos de comparação ou otimização de meios de aquecimento de água.

Nota: CH - Chuveiro Elétrico / ASA - Aquecimento Solar Acumulação / ASP - Aquecimento Solar Pré-Aquecimento / AGP - Aquecimento a Gás Passagem / AGA - Aquecimento a Gás Acumulação / AEP - Aquecimento Elétrico Passagem / AEA – Aquecimento Elétrico Acumulação / ABC - Aquecimento Bombas de Calor / RV – Revisão do estado da arte na literatura.

A energia solar tem sido amplamente estudada no Brasil como alternativa mais econômica e sustentável para HIS. Por utilizar o sol como principal fonte de energia, o sistema somente possui custos de operação quando utilizado o sistema de apoio, com o custo básico somente de manutenção das placas. Quando utilizada a retroalimentação, há o custo do bombeamento da água. Porém, em habitações unifamiliares de interesse social, usualmente utiliza-se o termossifão (Naspolini et al, 2010; Altoé et al., 2013).

Giglio (2015), por exemplo, estudou a influência do usuário na economia de energia obtida por meio do uso de sistema de aquecimento solar de água em habitações de interesse social. Uma das principais conclusões da autora é a dificuldade em prever a economia de sistemas de aquecimento solar, uma vez que o padrão de uso e controle do usuário influencia amplamente na economia de energia final. No estudo de caso elaborado pela autora foram obtidas economias de energia com grande variabilidade para sistemas com as mesmas condições de radiação e de tecnologia, dependendo amplamente do padrão de usuário.

Na Tabela 2 são mostrados alguns dos estudos compilados sobre uso de energia solar. Focou-se em estudos brasileiros, porém foram incluídas revisões internacionais e um estudo de caso realizado por Nshimyumuremyi e Junqi (2019) em Ruanda. O estudo de Sborz et al. (2022) também apresentou uma revisão sobre pesquisas de aquecimento de água, e pode ser utilizado como referência para obtenção de outras publicações.

Tabela 2 - Publicações científicas e acadêmicas sobre aquecimento de água com energia solar.

Nota: n.a. – não aplicável por ser revisão ou estudo simulado sem local.

Percebe-se haver bastante espaço para inovação e melhoria dos sistemas. Muitos dos estudos citados indicam a possibilidade de utilização de materiais de mudança de fase, bombas de calor e otimização para os controles e sistemas lógicos. Com isso, pode-se diminuir os custos e ampliar a aplicabilidade de sistemas com maior eficiência e menor consumo energético em aquecimento de água. De toda forma, atualmente já está bastante comprovada a eficácia de sistemas de aquecimento solar de água como alternativa sustentável, com a capacidade principal de diminuir a demanda de pico de energia, auxiliando as concessionárias de energia. Para estes sistemas, alguns estudos focaram em avaliar o uso de materiais mais econômicos, de modo a poder obter maior aplicabilidade em HIS e ser mais amplamente utilizado. Por fim, para poder compreender o panorama internacional, tem-se o relatório Solar Heat Worldwide (SHC, 2022), com a apresentação do desenvolvimento de mercado e taxas de aplicação da tecnologia por país.

Entorno

O conceito de direito à moradia compreende o espaço físico do abrigo e a sua relação com o entorno, onde a inserção urbana é avaliada pelo acesso aos serviços públicos e à infraestrutura urbana. As habitações de interesse social (HIS) em áreas urbanas devem garantir o acesso à cidade de seus ocupantes, pois este é um fator importante para a permanência e sobrevivência financeira das famílias contempladas pelos programas de auxílio (SOUZA; SUGAI, 2018).

Os empreendimentos urbanos de HIS no Brasil estão geralmente localizados em terrenos menos valorizados dos municípios (SHIMBO; CARVALHO; RUFINO, 2015), em um processo que demanda infraestruturas públicas custosas ao poder público para melhorar a inserção urbana do empreendimento (SOUZA; SUGAI, 2018). Neste sentido, empreendimentos localizados fora da área urbana consolidada demandam ampliação da infraestrutura viária; das redes de esgoto, água e energia; e construção de escolas e unidades de saúde, por exemplo (SNH, 2017).

A vizinhança dos empreendimentos também define o microclima em que estão inseridos. O microclima urbano surge da interação das estruturas urbanas e atividades humanas com a atmosfera (OKE et al., 2017). Neste sentido, o clima local depende não somente dos fatores geográficos, mas também da morfologia, dos materiais construtivos empregados, do nível de verticalização e adensamento da área urbana.

Populações com baixas condições socioeconômicas são mais vulneráveis ao calor devido à inadequação das moradias e à falta de recursos para lidar com as mudanças de temperatura (HARLAN et al., 2006; INOSTROZA; PALME; BARRERA, 2016). As áreas com maior vulnerabilidade social tendem a ser mais suscetíveis ao estresse térmico causado pelo calor devido à elevada densidade construída e à escassez de vegetação e espaços permeáveis.

As modificações no microclima urbano têm impactos tanto no conforto ambiental externo e interno dos empreendimentos quanto no consumo energético das edificações. Considerar o entorno urbano nos projetos arquitetônicos permite analisar mais precisamente a interação entre as edificações, incluindo sombreamento, reflexões múltiplas, ventilação e iluminação. Segundo Li et al. (2019), o aquecimento urbano está associado a um aumento no consumo de energia de resfriamento, podendo chegar a 120% em casos extremos, com uma mediana de 19%. Por outro lado, o consumo de energia de aquecimento tende a diminuir. Em outra revisão, Santamouris et al. (2015) constataram que o consumo de energia varia de 0,5% a 8,5% para cada grau de aumento na temperatura, de forma geral.

A análise de consumo energético levando em conta o microclima da região de interesse envolve a adaptação dos dados climáticos considerando os efeitos das estruturas urbanas. Essa adaptação pode ser feita por meio de medições em campo (KOLOKOTRONI et al., 2012; SALVATI et al., 2019), estimativas com base em dados morfológicos (ALLEGRINI; DORER; CARMELIET, 2012; PALME et al., 2017; WONG et al., 2011) ou simulações microclimáticas que usam fluidodinâmica computacional (CFD) (BOUYER; INARD; MUSY, 2011; YANG et al., 2012).

Ressalta-se que há uma incompatibilidade espaço-temporal entre os métodos de aferição do microclima urbano por meio de simulações CFD e as simulações de energia em edificações. Enquanto as simulações microclimáticas ocupam maiores espaços e são geradas para uma escala de tempo pequena, normalmente dias, as simulações energéticas de edificações requerem maior escala de tempo, usualmente um ano completo.

No Brasil, diversos estudos confirmam as generalizações encontradas na literatura científica sobre o microclima urbano, como o aumento do aquecimento urbano conforme o nível de urbanização da cidade (ALVES; LOPES, 2017; CARDOSO et al., 2017; SILVA; DA SILVA; SANTOS, 2018), e a redução desse aquecimento com a presença de áreas vegetadas e corpos d'água (ANJOS; LOPES, 2017; CALLEJAS et al., 2011; GRIGOLETTI; LAZAROTTO; WOLLMANN, 2018; SHINZATO; DUARTE, 2018). No entanto, poucos estudos abordam os efeitos do microclima local em habitações de interesse social.

Por exemplo, um estudo realizado em Belo Horizonte/MG simulou três cenários de entorno em um conjunto habitacional, analisando a influência da vegetação na redução do estresse térmico externo e da temperatura interna. Concluiu-se que a presença de vegetação mantém a habitação em uma faixa de temperatura aceitável por mais tempo durante o dia, em comparação com cenários sem vegetação (MARRA; MORILLE; ASSIS, 2017).

Outro estudo, utilizando o software ENVI-met, avaliou uma proposta de ocupação para uma área de favela em Vila Prudente, São Paulo/SP (LÖW; NADER, 2019). Os resultados mostraram que um maior espaçamento entre as edificações e a presença de arborização contribuíram para melhorar o conforto ambiental externo, principalmente devido ao aumento da velocidade do ar causado pela alteração na morfologia urbana.

Ainda há uma lacuna de pesquisa em relação aos efeitos do microclima urbano no consumo energético das habitações de interesse social. Essa lacuna abrange desde a caracterização do contexto urbano em que os empreendimentos dos PMCMV e PCVA estão inseridos até a proposição de estratégias de projeto para melhorar o conforto térmico externo e interno das edificações.

Tecnologias construtivas inovadoras

Novas tecnologias construtivas são necessárias para acelerar e atualizar o setor da construção civil e garantir boas condições de habitabilidade. O PBQP-H (Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat), uma iniciativa do Governo Federal do Brasil criada em 1991 é o principal programa que concentra requerimentos, normativas e estrutura de governança das inovações tecnológicas do setor da construção. O principal objetivo do programa é promover a melhoria da qualidade e da produtividade nas construções e no setor habitacional do país. O programa busca alcançar esse objetivo através de algumas ações principais:

  • Estabelecimento de critérios e diretrizes: O PBQP-H define critérios, normas e diretrizes técnicas para a melhoria dos processos construtivos e a qualidade dos materiais utilizados na construção civil.

  • Certificação de empresas: O programa oferece um sistema de certificação para as empresas do setor da construção, reconhecendo aquelas que atendem aos padrões de qualidade estabelecidos.

  • Capacitação profissional: O PBQP-H promove a capacitação e qualificação dos profissionais envolvidos na indústria da construção, incentivando a adoção de melhores práticas e técnicas.

  • Incentivos e financiamento: O programa também oferece incentivos e facilidades de financiamento para empresas e empreendimentos que se adequem aos critérios de qualidade e produtividade estabelecidos.

Ao longo dos anos, o PBQP-H tem contribuído para elevar os padrões da construção civil no Brasil, buscando aumentar a confiabilidade das edificações, a segurança dos usuários e a sustentabilidade do setor habitacional do país.

Os Documentos de Avaliação Técnica (DATecs) são parte do PBQP-H, e apresentam a avaliação de um sistema inovador, a partir da análise das suas condições de execução, uso e manutenção, além do seu desempenho térmico, acústico, e outros critérios significativos, conforme as Normas Brasileiras respectivas a cada um dos sistemas. Para este trabalho, buscou-se técnicas e materiais inovadores com um bom desempenho térmico, para que fossem aplicados nas etapas posteriores deste projeto.

Destas análises, pontua-se que a maior parte dos produtos registrados tratam-se de sistemas em Steel Frame, Wood Frame, e paredes de concreto (armado ou maciço) moldados in loco ou pré-moldados, conforme as instruções de execução de cada empresa.

Apesar de promover uma maior facilidade na implementação de soluções térmicas e acústicas, os sistemas em Steel Frame e Wood Frame ainda são, no Brasil, mais caros que os métodos de construção tradicionais, devido à menor disponibilidade de mão-de-obra. Por se tratarem de soluções relativamente novas no mercado, e bastante diferente dos sistemas convencionais (como construção em concreto e alvenaria de blocos cerâmicos), há uma maior rejeição, também, por parte dos moradores de HIS, a estes sistemas construtivos.

Entretanto, a grande maioria das análises de desempenho térmico das DATecs se deram apenas para as zonas bioclimáticas onde há uma maior área de atuação das empresas responsáveis por esses sistemas construtivos. Assim, não é possível afirmar que esses sistemas podem ser utilizados em todo o território brasileiro.

Um levantamento das DATecs a partir do portal do PBQP-H mostrou que, das 43 DATecs existentes, 27 estão com prazo de validade vencido, e apenas 16 estão vigentes. Das 43 DATecs, a grande maioria trata sobre paredes (32) que podem ser apenas de vedação ou estruturais, enquanto quatro documentos tratam sobre sistemas que podem servir para paredes e coberturas, três documentos tratam sobre inovações em revestimento, dois sobre inovações específicas para coberturas, e apenas um documento registrado para inovações em reservatório de água, um para estrutura e um para tubulações. Nota-se, portanto, que há uma lacuna nas tecnologias construtivas, pois parece que o mercado concentra a inovação na vedação, mas deixa de fora outros elementos importantes para o desempenho da edificação, por exemplo, a cobertura, ou divisões internas, entre outras.

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