Introdução

Contexto histórico

A habitação de interesse social no Brasil é uma questão de extrema importância e desafio para o país. Historicamente, o Brasil enfrenta problemas relacionados à falta de moradia adequada para uma parcela significativa da população. O déficit habitacional estimado para o Brasil em 2019 foi cerca de 6 milhões de habitações, e cresce a cada ano (Fundação João Pinheiro, 2022).

No final do século XIX e início do século XX, com a industrialização, a abolição da escravatura e o crescimento das cidades, houve um aumento expressivo da população urbana, levando à formação de favelas e áreas de ocupação precária e, em alguns casos, com a ocupação em áreas de risco. A falta de políticas habitacionais efetivas contribuiu para o surgimento de bolsões de pobreza e habitações informais, sem infraestrutura básica. A partir da década de 1960, durante o regime militar, houve uma maior preocupação com a habitação popular, em que o governo estruturou o Banco Nacional de Habitação (BNH), que buscava facilitar o acesso à moradia por meio de financiamentos e subsídios. Também entre as décadas de 60 e 70, o governo criou as Companhias de Habitação (COHABs) para atuar como agentes promotores e financeiros do Sistema Financeiro da Habitação Popular (SIFHAP) recebendo recursos do BNH. Os programas habitacionais eram propostos pelo BNH e as metas físicas e financeiras estavam previstas no Plano Nacional de Habitação Popular (PLANHAP), sendo operacionalizado por convênios entre o BNH, os estados, municípios e as COHABs (ABC, 2023).

No entanto, essas políticas foram criticadas por serem focadas na produção em massa de habitações, muitas vezes distantes dos centros urbanos e carentes de serviços públicos. Nos anos 1980, com o processo de redemocratização, surgiram movimentos sociais e organizações não governamentais que passaram a reivindicar políticas mais inclusivas e participativas na área da habitação. Essa pressão social resultou na criação do Ministério das Cidades, em 2003, com o objetivo de coordenar e implementar políticas urbanas integradas, incluindo ações voltadas para a habitação de interesse social. Em 2009 a Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades coordenou a elaboração do Plano Nacional de Habitação estabelecendo as diretrizes de uma nova política habitacional, iniciando o Programa “Minha Casa Minha Vida” (PMCMV).

O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV)

O PMCMV teve destaque por ser um vultoso investimento que visou ampliar o acesso à moradia no Brasil. De forma a compatibilizar o financiamento da casa própria com a capacidade de pagamento das famílias, o PMCMV determinou subsídios para a aquisição da moradia para famílias de acordo com sua renda familiar. O PMCMV durou de 2009 até 2019 sendo executado em 3 fases e oferecendo facilidades, subsídios, descontos e redução do valor de seguros habitacionais, enquadrados em faixas de renda delimitadas por salários mínimos (durante a Fase 1), ou por um montante de dinheiro específico (nas Fases 2 e 3).

Os benefícios foram diferenciados para habitações urbanas e rurais. Nas Fases 1 e 2 do PMCMV foram delimitadas as Faixas 1, 2 e 3, sendo a Faixa 1 para famílias com menor renda e maior subsídio. Na Fase 3 do Programa surgiu ainda a Faixa 1,5 para contemplar ainda mais famílias com baixa renda mensal. Nesta última fase iniciada em 2016, o Programa forneceu os maiores subsídios na Faixa 1 para famílias com renda familiar de até R$ 1.800,00 (aproximadamente 2 salários mínimos de 2016), a Faixa 1,5 deu subsídio para famílias com renda até R$ 2.350,00; a Faixa 2 facilitou o financiamento por meio de subsídios e por meio da redução de taxas de juros para famílias com renda ficou entre R$ 2.351,00 e 3.600,00; e na Faixa 3 criou condições favoráveis de acesso ao imóvel para famílias com renda familiar mensal acima de R$ 3.600,00 e até R$ 6.500,00.

O PMCMV foi extinto em 2020, sendo entregues mais de 17 mil conjuntos habitacionais e cerca de 1,6 milhões de unidades habitacionais entre 2009 a 2019. Após sua extinção, o PMCMV foi substituído pelo Programa “Casa Verde e Amarela” (PCVA), ratificado pela Lei 14.118 de 12 de janeiro de 2021. O PCVA não teve a mesma repercussão em números de unidades entregues do que o anterior, em especial para as faixas de menor renda. Nesse programa, os subsídios foram divididos em grupos, também conforme a renda familiar. O Grupo Urbano 1 foi destinado às famílias com renda mensal familiar de até R$ 2.400. O Grupo Urbano 2 para famílias com renda de até R$ 4.400 e o Grupo Urbano 3 para famílias com renda de até R$ 8.000. A divisão por faixas também foi contemplada para o Grupo Rural. Entretanto, conforme a base de dados disponibilizada pela Secretaria de Habitação sobre os empreendimentos da Faixa 1 desde 2009 até 2023, analisada em capítulo posterior, não foram implementadas habitações na Faixa 1 durante a vigência deste programa. Alguns motivos apontados para a falta de incentivo para os conjuntos na Faixa 1 foram o desaparecimento de subsídios para as famílias com menores recursos, menor investimento no programa habitacional, e impacto da pandemia de COVID-19 durante o período (BRASIL, 2022).

No início de 2023, foi anunciada a retomada do PMCMV para promoção da expansão de habitações de interesse social no país, tendo sido sancionadas as regras de funcionamento do Programa por meio da Medida Provisória 1.162/2023 e sancionada na forma da Lei nº 14.620, de 13 de julho de 2023. As novas regras ampliam as faixas de renda, consideram redução nas taxas e aumentam o subsídio para aquisição dos imóveis.

O programa continua funcionando por meio de parcerias entre o governo federal, os estados, os municípios, as empresas construtoras e as famílias beneficiadas, oferecendo subsídios financeiros e condições especiais de financiamento para viabilizar a aquisição da casa própria. A meta do novo Programa é contratar até 2026 dois milhões de moradias, sendo que 50% delas sejam para o público da Faixa 1. As faixas de renda e os subsídios são divididos da seguinte forma na nova versão do PMCMV (BRASIL, 2023):

  • Faixa 1: Famílias com renda mensal de até R$ 2.640,00. Nessa faixa, o programa oferece subsídios maiores e condições de financiamento especiais, com juros reduzidos. O valor do subsídio varia de acordo com a renda familiar e historicamente foi entre 85% a 95%

  • Faixa 2: Famílias com renda mensal entre R$ 2.640,01 e R$ 4.400,00. Nessa faixa, as condições de financiamento são mais favoráveis, mas os subsídios são menores em comparação à Faixa 1.

  • Faixa 3: Famílias com renda mensal entre R$ 4.400,01 e R$ 8.000,00. Nessa faixa, o programa oferece financiamentos com taxas de juros um pouco mais elevadas, porém ainda abaixo das praticadas no mercado.

O valor do imóvel foi ampliado no novo Programa, considerando diferentes valores conforme o tamanho da cidade do empreendimento e a faixa de renda. No geral, para empreendimentos na Faixa 1, são subsidiados empreendimentos que estejam no valor entre R$ 130 mil por UH até R$ 164 mil por UH, dependendo do porte do município e da tipologia a ser construída (apartamento ou casa). O valor pode ser ampliado em 10% para terrenos com melhor qualificação, chegando ao limite de R$ 170 mil por UH, ou até 40% disso para projetos de requalificação de edificações existentes. O subsídio nesta faixa implica que as famílias pagam prestações mensais proporcionais à sua renda, tendo-se um valor mínimo de prestação mínimo de R$ 80 por mês, por um período de 5 anos. Para empreendimentos nas Faixas 1 e 2, o valor financiado máximo é de R$ 264 mil por UH e para empreendimentos na Faixa 3 de até R$ 350 mil por UH.

Para o setor rural, os valores também tiveram aumento. Outra mudança foi a redução na taxa de juros com diferenças por região e que permite agora também a aquisição de imóveis usados, além dos novos previstos no Programa e também permite locação social. Outras mudanças observadas foram com relação ao aumento de área mínima das unidades que passou a ser de 40 m² para casas e 41,50 m² para apartamentos, considerando-se a criação de varandas e a consideração de espaço de biblioteca e equipamentos para a prática esportiva nos conjuntos habitacionais. A exigência sobre a localização do terreno também teve mudanças, pois é necessário que o conjunto habitacional deve estar inserido na malha urbana, próximo a uma infraestrutura urbana consolidada, que inclua acesso a equipamentos públicos de educação, saúde, assistência social, comércio, serviços e transporte público. Este requerimento proporciona a obtenção de maiores subsídios quanto melhor e mais adequada a localização dos terrenos.

Outros requisitos colocados pelo novo PMCMV, por meio da Portaria MCID Nº 725, de 15 de junho de 2023, são a obrigatoriedade de que algumas unidades tenham acessibilidade de acordo com a NBR 9050 vigente e apresentem características de sustentabilidade, dando preferência ao uso de fontes de energia renovável, equipamentos que apresentem maior eficiência energética e materiais de construção de baixo carbono e recicláveis. O prazo de acompanhamento das famílias após a ocupação foi ampliado para 60 meses (antes de 12 meses), assim como os compromissos do ente local (prefeituras) também foram ampliados, incluindo a participação no contrato do empreendimento habitacional com cláusulas que consideram o fornecimento da infraestrutura externa, equipamentos públicos e manutenção e operação de sistemas de abastecimento de água, tratamento de esgoto, energia ou equipamentos (BRASIL, 2023).

A Caixa Econômica Federal é o agente financeiro responsável por conceder os financiamentos habitacionais do programa, oferecendo condições especiais de financiamento, com juros reduzidos e prazos estendidos, para facilitar o acesso à moradia. No PMCMV, as parcerias com estados, municípios e entidades sem fins lucrativos são essenciais para a construção de unidades habitacionais. Essas parcerias podem envolver a doação de terrenos, incentivos fiscais ou apoio técnico. A Figura 1 apresenta a divisão das faixas do Programa conforme a renda familiar e a origem dos recursos (CAIXA, 2023).

O programa utiliza diferentes instrumentos financeiros para viabilizar a construção e aquisição de moradias para a população de baixa renda, conforme explicados na sequência:

  • Fundo de Arrendamento Residencial (FAR): O FAR é um fundo que financia a produção de empreendimentos habitacionais voltados para as famílias de baixa renda. Ele fornece recursos para a construção, reforma ou requalificação de unidades habitacionais, além de subsidiar a aquisição ou o aluguel social de imóveis.

  • Fundo de Desenvolvimento Social (FDS): Fundo administrado pela CAIXA e destinado ao financiamento de projetos de investimentos de interesse social para populações de baixa renda, nas áreas de habitação popular, saneamento básico, infraestrutura urbana e equipamentos comunitários.

  • Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS): O FGTS é um fundo formado por depósitos mensais feitos pelos empregadores em nome de seus funcionários. Uma parte desses recursos é direcionada para o financiamento habitacional, permitindo que as famílias de baixa renda tenham acesso a empréstimos com taxas de juros mais baixas. Este instrumento é aplicado às faixas de renda 1, 2 e 3.

O PMCMV conta com as seguintes modalidades que incluem habitações urbanas e rurais:

  • Oferta Pública/Empresas: Nessa modalidade, as unidades habitacionais são construídas por empresas construtoras e são subsidiadas pelo governo. As famílias beneficiadas também têm acesso aos financiamentos com condições vantajosas. Podem ter recursos do FGTS (Oferta Pública), ou recursos do FAR (FAR Empresas).

  • MCMV-Entidades: Existente desde o início do PMCMV, e foi regulamentado no novo programa pela Instrução Normativa Nº 28, de 04 de julho de 2023 (BRASIL, 2023). Nessa modalidade, as moradias são construídas por entidades organizadoras, como cooperativas habitacionais, associações e outros grupos sem fins lucrativos, que registram um histórico de luta por moradia. As famílias selecionadas recebem subsídios mais significativos e têm acesso a financiamentos com juros reduzidos.

  • MCMV-Rural: Na modalidade rural, são disponibilizados recursos para a construção, reforma, ampliação ou melhoria das habitações rurais. As famílias beneficiadas têm acesso a financiamentos com condições especiais, como juros baixos e prazos estendidos.

Para participar do programa, as famílias interessadas devem se inscrever junto à prefeitura de seu município ou em órgãos responsáveis pelo programa habitacional. As seleções são realizadas de acordo com critérios estabelecidos pelo programa e prioridades determinadas pelos órgãos responsáveis.

Principais estudos sobre HIS

Como o PMCMV foi uma política pública de forte impacto nas dinâmicas urbanas do Brasil, nos beneficiários e na indústria da construção, diversos estudos exploraram o programa como tema sob diferentes perspectivas. Para resumir os principais estudos realizados - e que nortearam esta revisão - a Figura 2 apresenta uma linha do tempo, desde a criação do Plano Nacional de Habitação vigente, em 2008, até os dias atuais. Destaca-se o estudo de satisfação dos usuários do PMCMV realizado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), e os estudos produzidos pelo Projeto EEDUS (Eficiência Energética para o Desenvolvimento Urbano Sustentável).

Esta revisão é dividida em temas relacionados à qualidade da habitação com a perspectiva da eficiência energética, a saber:

  1. Mapeamento de HIS no Brasil: é explorada a base de dados de todos os empreendimentos da Faixa 1 contratados no âmbito do PMCMV e PCVA desde 2009 a 2022, caracterizando as quantidades de empreendimentos, unidades habitacionais e suas proporções com relação ao financiamento, modalidade e tipologias.

  2. Panorama de HIS no Brasil: são discutidas as principais características de envoltória, aquecimento de água e entorno dos empreendimentos, bem como são trazidos estudos que trataram dos temas.

  3. Conforto Ambiental : são discutidos estudos que exploraram as condições de conforto em HIS no Brasil.

  4. Percepção humana : são discutidos estudos que exploraram a percepção humana em HIS no Brasil.

  5. Consumo de Energia : são discutidos estudos que exploraram a percepção humana em HIS no Brasil.

Portanto, neste capítulo serão apresentadas as ideias gerais dos estudos-chave estudos, e na sequência serão abordados novamente estes estudos, sob a ótica do tema explorado em cada capítulo.

Estudo de satisfação dos beneficiários do IPEA (2014)

Em 2014, o IPEA, em conjunto com o Ministério das Cidades (SNH) realizou uma pesquisa para verificar a Satisfação dos Beneficiários do PMCMV em relação às moradias urbanas (IPEA et al., 2014). A pesquisa foi realizada por amostragem estratificada (5% de margem de erro e 95% de nível de confiabilidade) por região e por porte do empreendimento, resultando em 6.241 moradias pesquisadas em todo o território nacional, e em 254 empreendimentos do PMCMV. A pesquisa foi realizada por meio de entrevistas presenciais com famílias que habitavam a moradia há mais de seis meses, e o objetivo foi “capturar a percepção desses moradores com relação aos atributos das moradias e ao aumento de bem estar”.

Entre as dimensões avaliadas, estão:

(i) a funcionalidade da unidade habitacional;

(ii) o entorno da moradia (empreendimento e vizinhança);

(iii) a inserção urbana;

(iv) as despesas com a moradia.

A entrevista consistiu em 22 questões. A percepção subjetiva foi mensurada em escala tipo Likert em sete pontos. Análises utilizaram os métodos de análise fatorial exploratória e a análise fatorial previamente dimensionada. O instrumento proposto foi validado a partir de visitas em um número específico de empreendimentos, buscando realizar uma avaliação crítica dos instrumentos de coleta de informações.

Os resultados apontam que entre os aspectos avaliados relacionados ao conforto ambiental (iluminação, umidade e temperatura), os habitantes reportaram um grau de satisfação menor com a temperatura do que os demais. A satisfação foi especialmente baixa para os estados do Norte e Nordeste, tipicamente mais quentes. Além disso, houve uma percepção no aumento de custo de vida, com contas de luz, água e condomínios - as despesas com água, luz e condomínio comprometeram cerca de 11,3% da renda familiar dos beneficiários do PMCMV na ocasião da pesquisa. Infere-se que essa percepção foi devido ao contraste das habitações anteriores, nas quais os moradores provinham de situação irregular, sem ter seu orçamento onerado com essas contas.

Diante disso, o estudo aponta duas direções para pesquisas futuras: primeiro, conhecer a trajetória de habitações vividas pelo morador pesquisado antes da mudança para a nova habitação, e segundo, entender o processo temporal de vivência na nova habitação. Dessa forma, há uma necessidade de entendimento do contexto do morador.

O Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas realizou um Relatório de Avaliação do Programa Minha Casa Minha Vida (CMPP, 2020), levantando cinco questões:

  1. O PMCMV tem sido eficiente e efetivo?

  2. Os operadores e instituições financeiras permitem análise e correção de problemas identificados no PMCMV, e há boas práticas para replicação?

  3. Atende às famílias que faziam parte do déficit habitacional e a localização adere melhor ao acesso de oportunidades?

  4. Outros critérios de enquadramento além da renda podem ser aventados, a doação de terrenos pelo poder público impacta na oferta?

  5. O PMCMV está atendendo aos beneficiários enquadrados na faixa de renda fixada e ocupada pelos seus beneficiários?

Em conclusão, o relatório aponta diversas recomendações para a obtenção das respostas das questões de forma mais adequada. Em resumo, a adequação da metodologia para quantificação do déficit habitacional (tanto quantitativo quanto qualitativo) e a continuidade do PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) devem ser realizados, além de construir novos indicadores para medir a efetividade dos empreendimentos.

Eficiência Energética para o Desenvolvimento Urbano Sustentável - EEDUS

A Secretaria Nacional de Habitação (SNH) do Ministério do Desenvolvimento Regional e o Ministério Federal da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento (BMZ) da Alemanha, em parceria com a Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH, desenvolveram o projeto de cooperação técnica chamado Eficiência Energética no Desenvolvimento Urbano Sustentável (EEDUS) para melhorar a eficiência energética em unidades habitacionais de interesse social no Brasil, com foco no PMCMV, especialmente na Faixa 1 (BRASIL, 2023).

O objetivo do EEDUS foi aumentar a eficiência energética na produção habitacional federal, beneficiando diretamente e indiretamente os diversos atores envolvidos no programa, incluindo gestores e beneficiários finais. O projeto adotou uma abordagem com múltiplos níveis e atores, envolvendo assessoria e qualificação política e técnica para aprimorar a implementação do programa habitacional, capacitar técnicos e gestores em diferentes níveis governamentais e desenvolver projetos-demonstrativos em cidades e estados selecionados.

Alguns estudos de destaque do EEDUS são o levantamento da “Evolução Normativa de ações de eficiência energética no Programa Minha Casa Minha Vida” e o “Análise de custo/benefício de parâmetros de eficiência energética em HIS” realizado pelo LabEEE.

Ao analisar a Evolução Normativa do PMCMV nos aspectos relativos à eficiência energética e conforto ambiental (ISSA et al., 2019), pode-se observar que à medida que o PMCMV foi sendo implementado, condições mínimas relacionadas à eficiência energética foram incorporadas, considerando-se os três grandes parâmetros de avaliação (estratégias bioclimáticas, envoltória e equipamentos e sistemas). Porém, alguns itens de grande influência no desempenho térmico e energético continuaram carecendo de requisitos ou diretrizes. Apesar de algumas legislações locais – códigos de obras municipais ou requerimentos de agentes financeiros – exigirem alguns requisitos de eficiência energética, em sua maioria, áreas mínimas dos ambientes, observou-se a oportunidade de que esses requisitos possam ser mais restritivos de forma a se tornarem mais eficazes.

Por exemplo, no período observado (até 2019), houve incorporação de valores mínimos de transmitância térmica e espessura de paredes externas, mas não houve especificação de percentual de abertura da fachada ou absortância solar das paredes. Além disso, alguns requisitos, como exigência de sombreamento, foram contemplados ao longo do tempo, mas ainda de forma subjetiva.

Na sequência, o estudo de “Análise de custo/benefício de parâmetros de eficiência energética em HIS” realizado pelo LabEEE para a SNH e com apoio da GIZ, foram identificados casos otimizados considerando custo no ciclo de vida e estratégias de eficiência energética para habitações nas tipologias unifamiliar, geminada e multifamiliar, com desempenho térmico no nível superior na Norma de Desempenho NBR 15575 de 2021 (LAMBERTS et al., 2021). Este projeto resultou na compilação de diversas orientações de projeto de HIS para as diferentes zonas bioclimáticas brasileiras, a partir de um balanço entre o custo dos macrocomponentes (no ciclo de vida da edificação, i.e., considerando construção, operação, manutenção e demolição) das medidas de eficiência energética, e do benefício proporcionado, em termos de consumo energético e PHFT (porcentagem de horas numa faixa de temperatura operativa considerada em conforto (TRIANA et al., 2023).

A partir da análise desta análise de custo-benefício do projeto do LabEEE, a SNH confeccionou a Portaria Nº 532 de 23 de fevereiro de 2022 (dentro do PCVA, programa habitacional da época), visando trazer diversos requisitos de eficiência energética e desempenho térmico para os projetos de novas unidades habitacionais, na forma de critérios obrigatórios e critérios adicionais. Outra iniciativa dentro do PCVA foi promover a locação social, inicialmente como um projeto piloto envolvendo uma parceria público-privada (BRASIL, 2022).

Na Portaria Nº 532 de 23 de fevereiro de 2022 também foi prevista a possibilidade de elaboração de protótipos - edificações que seriam construídas com critérios diferenciados buscando uma maior qualidade nas habitações e que deveriam incluir nos seus projetos os critérios considerados como adicionais. O intuito dos protótipos seria a comprovação na prática dos requisitos presentes na referida portaria, que buscavam projetos com maior desempenho e pudessem alavancar soluções para serem posteriormente difundidas no Programa de Habitação Nacional. Para isso, um concurso foi realizado com o apoio da GIZ e do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) para a seleção de três projetos que seriam desenvolvidos como protótipos para posteriormente serem construídos por prefeituras em três cidades do Brasil. O concurso, denominado “Habitação de Interesse Sustentável”, teve os resultados oficializados por meio da Portaria 1.954, de 14 de junho de 2022.

Dessa forma, foi realizada uma chamada para seleção dos terrenos nas prefeituras para construção dos protótipos. Os terrenos foram selecionados na forma do Edital de Chamamento nº 1 publicado em 30 de junho de 2021 no DOU, realizado em parceria com a Associação Brasileira de COHABs e Agentes Públicos de Habitação (ABC), para implementação dos projetos dos três primeiros colocados no concurso promovido pela SNH e GIZ. Foram selecionadas as cidades de Londrina/PR (ZB3), Campo Grande/MS (ZB6) e Olinda/PE (ZB8), de acordo com o resultado publicado no DOU em 31 de agosto de 2021.

Para aprimoramento dos projetos dos protótipos em questões de eficiência energética e conforto ambiental, a SNH firmou uma parceria com o LABEE/UFSC onde se buscou um aumento significativo da qualidade dos projetos dos protótipos de Habitação de Interesse Social, dar profundidade técnica às análises e trazer elementos ainda não considerados nas especificações, aperfeiçoando, com isso, o planejamento e a avaliação da política proposta. A cooperação foi firmada por meio do TED nº 04/2020 entre o antigo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), por intermédio da Secretaria Nacional de Habitação (SNH), e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), por intermédio do Laboratório de Eficiência Energética em Edificações (LabEEE). O projeto de consultoria do LabEEE (LAMBERTS et al., 2023) consistiu em quatro metas: 1 - Análise inicial dos protótipos, com ênfase nos critérios de sustentabilidade e eficiência energética; 2 - Orçamentação; 3 - Simulações de desempenho termoenergético; 4 - Aplicação da INI-R (Instrução Normativa Inmetro para Classe de Eficiência Energética de Edificações Residenciais).

Com a extinção do PCVA, que foi substituído pelo novo PMCMV em 2023, a Portaria Nº 532 de 23 de fevereiro de 2022 perde seu vigor e dá espaço para a Portaria MCID Nº 725, de 15 de junho de 2023. Apesar de serem programas e portarias diferentes, os requisitos de eficiência energética foram mantidos na nova portaria 725. Ou seja, apesar de o Estudo de Evolução Normativa indicar que até 2019 havia lacunas nos requisitos de eficiência energética, hoje, pode-se dizer que requisitos desta natureza estão sendo considerados. Além disso, a Portaria MCID Nº 725, de 15 de junho de 2023 divide os requisitos entre obrigatórios (Tabela 1 da referida portaria), e recomendáveis (Tabela 2 da referida portaria).

Nos requisitos obrigatórios, há previsão de diversas especificações como requisitos, como área mínima da UH, disposição dos ambientes, varanda, sombreamento, entre outros.

Nos requisitos recomendáveis, há especificação de estratégias de conforto, desempenho (como propriedades térmicas mínimas e tamanhos de áreas de aberturas de acordo com a Zona Bioclimática), estratégias de sistemática construtiva industrializada e avaliação do Impacto Ambiental por meio de Certificação do Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE Edifica) ou Selo Casa Azul+CAIXA.

Como forma de apoiar a implementação destes requisitos, a Portaria MCID N°727 de 15 de junho de 2023 dispõe o seguinte:

§ 3º Será realizada certificação de desempenho de projetos nos termos da Norma da Associação Brasileira de Normas Técnicas NBR 15.575, a ser custeada pelo Fundo de Arrendamento Residencial, em amostra que contemple empreendimentos contratados em todas as regiões geográficas, conforme procedimento a ser regulamentado pelo Gestor do FAR

Portanto, há previsão legal para que uma amostra de empreendimentos receba avaliação técnica específica para ter seu desempenho testado e avaliado.

Outros estudos relevantes

Alguns estudos avaliaram os aspectos impactantes no desempenho de habitações de interesse social, por exemplo: Kowaltowski et al. (2019), Bavaresco et al. (2021) e Simões e Leder (2022). Nestes estudos, percebeu-se que uma única solução geral não é cabível para melhorar o desempenho energético das habitações de interesse social (HIS) brasileiras, devendo-se verificar as particularidades de cada região. Ou seja, é uma clara crítica à replicação em massa dos mesmos projetos em diferentes condições. Por exemplo, zonas bioclimáticas intermediárias necessitam de menos estratégias se comparadas às zonas bioclimátias extremas (frias e quentes). Além disso, juntamente com as especificações da envoltória, a dimensão humana deve ser levada em consideração com um aspecto importante, reforçando que as dinâmicas sociais pré e pós-ocupação deste tipo de edificação são fundamentais para o desempenho.

Diante do exposto, percebe-se que ainda há uma lacuna para a melhoria das habitações de interesse social no Brasil. O objetivo desta revisão de literatura é explorar os estudos realizados sobre os programas de habitação social no Brasil, elucidando o histórico destes programas e organizando as informações disponíveis em estudos estratégicos do governo e acadêmicos, sob as perspectivas de eficiência energética, conforto ambiental, com a percepção humana atrelada ao habitar. Gostaria de contribuir? Veja Como contribuir

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