Entrevista Estruturada
Last updated
Last updated
Uma entrevista estruturada com diversos atores que trabalham com HIS foi proposta visando obter diferentes pontos de vista sob o tópico. As perguntas foram formuladas para capturar as dimensões que envolvem as HIS em suas diversas esferas, buscando a percepção da esfera pública (de gestão, dos programas em si), da pesquisa (professores e pesquisadores), e da esfera dos usuários (qualidade da habitação), e como essas dimensões se entrelaçam.
Foram propostas 10 perguntas para captar a opinião, percepção e visão dos entrevistados. As perguntas foram formuladas e refinadas diversas vezes para que a entrevista seja sucinta (cerca de uma hora de duração), e imparcial, deixando a liberdade para que os respondentes opinem sobre as questões, sem considerar juízo de valor. É importante enfatizar que as entrevistas são percepções individuais de cada entrevistado, levando em conta a sua visão de mundo e experiências de trabalho e atuação, e não se tratam de formalizações definitivas. A Tabela a seguir apresenta um resumo dos entrevistados a partir das suas áreas de atuação. Os nomes dos entrevistados não são relevantes e foram suprimidos.
# | Área de especialidade | Entrevistado | Data da entrevista |
---|---|---|---|
O protocolo da entrevista se inicia com uma breve explicação sobre o projeto. Explica-se que esta entrevista está sendo realizada com diversos profissionais, de diversas áreas, e que são perguntas norteadoras similares. Após isso, é solicitada autorização para gravar a entrevista e inicia-se o áudio com a data e hora e identificando o entrevistado. Na sequência, o entrevistador inicia a primeira pergunta e segue a sequência do protocolo até o final da entrevista.
O tratamento dos dados foi realizado por meio da interpretação das respostas de cada respondente, de forma a consolidar em uma única resposta para cada pergunta, abrangendo os diversos pontos de vista. Neste documento, são transcritas as perguntas e na sequência a resposta consolidada. As entrevistas serviram de embasamento para criação de um modelo conceitual a partir do cruzamento das respostas de cada respondente para as mesmas perguntas.
Durante as entrevistas, foram consolidadas perspectivas, opiniões e respostas de pessoas com diversas experiências e diversos tipos de envolvimentos na temática de HIS. Em específico, os entrevistados trabalham com pesquisas, assistência social e projetos relacionados à habitação de interesse social. Na escala de pesquisa e projeto, os professores e pesquisadores têm atividades que incluem trabalhar com construção, pesquisa e ocupações no programa Minha Casa Minha Vida, realizando medições de propriedades térmicas e conforto, desenvolvendo metodologias para projeto centrado no usuário e estudando resiliência em habitações. Na escala de governo, os entrevistados trabalham com proposição de políticas públicas, gestão da qualidade, avaliação da pós-ocupação e regularização fundiária, e conduzir pesquisas sobre o comportamento dos usuários e o desempenho térmico das habitações. De modo geral, os entrevistados colaboram com instituições acadêmicas, entidades governamentais e conselhos profissionais para melhorar a qualidade e o conforto das moradias sociais.
No que tange a regulação pós-ocupação, o trabalho social é o instrumento dentro do PMCMV que consiste em integrar os beneficiários antes da alocação e acompanha durante um ano a vivência, ocupação e adaptação dessas pessoas no empreendimento. Os responsáveis pelo trabalho social são a Assistência Social da Prefeitura Municipal e Caixa Econômica Federal. Apesar de importante, os entrevistados apontaram que o trabalho social ainda é precário.
De forma geral, foram apontados diversos problemas no que vem sendo produzido nos últimos anos para as habitações de interesse social no Brasil. Apesar de ter havido melhorias significativas na vida das pessoas beneficiadas pelo programa, ainda há muito a avançar em termos de qualidade do desenho urbano, tipologia habitacional e bem-estar dos usuários. Há baixa qualidade perceptível nas habitações, falta de privacidade, problemas construtivos e patologias, além de materiais e acabamentos de baixa qualidade. Especificamente, as habitações multifamiliares apresentam problemas mais graves do que as casas térreas, com sistemas estruturais que não permitem adaptações, além de condições térmicas ruins.
As normas e diretrizes do Ministério são genéricas, com falta de detalhes em alguns temas importantes, e a implantação das habitações não considera adequadamente a ventilação, a posição das janelas e a presença de áreas livres vegetadas.
Existe preocupação com a padronização excessiva nos sistemas construtivos das habitações multifamiliares, transformando os canteiros de obras em indústrias de produção em massa. As implantações são padronizadas e nem sempre adequadas, com falta de adaptações específicas para diferentes geometrias e diferentes terrenos. Isso faz com que as tipologias habitacionais sejam iguais, sem considerar as necessidades específicas das famílias, resultando em habitações com dois quartos, independentemente do tamanho da família. Há pouca preocupação com o usuário e falta de informações sobre o uso das habitações. Por exemplo, as pesquisas realizadas identificaram problemas nos projetos, como falta de ventilação cruzada, o que afeta o conforto e a saúde dos moradores. A execução em massa de projetos padronizados afeta o desempenho e o conforto das habitações, sendo necessário permitir mais flexibilidade e adaptação.
Alguns entrevistados levantaram o fato de que o Programa Minha Casa Minha Vida foi mais voltado para estimular a economia do que para reduzir o déficit habitacional, levando à construção em áreas periféricas carentes de infraestrutura. Isso pode ser apontado como uma possível causa para os problemas identificados.
Em resumo, existe a necessidade de melhorias nos sistemas de aquecimento solar de água, maior atenção ao conforto nas normas de desempenho e melhoria do projeto urbano e das tipologias habitacionais.
Os três principais problemas relatados pelos usuários, em ordem de importância, são:
i. Localização do conjunto habitacional e Inserção urbana: os empreendimentos são geralmente longe dos centros urbanos e desconectados, o que ocasiona muito tempo de deslocamentos para atividades de vivência (trabalho, escola, ou lazer, por exemplo). Além disso, o deslocamento para áreas afastadas do centro urbano está associado à questão de segurança.
ii. Espacialidade (tamanho): Os usuários enfrentam dificuldades em acomodar seus móveis e eletrodomésticos nas unidades habitacionais, muitas vezes comprando itens que não cabem no espaço disponível. Além disso, algumas famílias realizam atividades como preparar comida ou trabalhar em casa, o que requer um ambiente adequado para suas necessidades.
iii. Falta de flexibilização da planta: Os usuários relatam dificuldades em modificar a estrutura interna das unidades habitacionais, como derrubar paredes para criar espaços mais adequados às suas necessidades. Isso está relacionado ao problema de espacialidade mencionado anteriormente.
Além disso, um outro ponto importante levantado como problema é a transferência das famílias para apartamentos. As famílias de baixa e média renda que são realocadas de casas para apartamentos enfrentam dificuldades de adaptação. Elas não estão acostumadas a pagar condomínio e a viver em ambientes coletivos, o que pode gerar conflitos e tensões, além de aumentar os custos no orçamento familiar.
Outros problemas percebidos pelos usuários incluem conflitos de convivência, falta de conforto, falta de eficiência energética e uma expectativa excessiva de que o governo resolva todos os problemas. Além disso, existem problemas relacionados à excessiva padronização dos empreendimentos, resistência por parte das instituições financeiras em projetos não convencionais, falta de seleção adequada das famílias beneficiadas, falta de espaços de convívio e lazer de qualidade, problemas estruturais como mofo, descolamento de piso e fissuras, falta de habitabilidade e conforto ambiental, falta de inserção urbana adequada, e qualidade ruim dos materiais utilizados na construção.
Esses problemas variam de acordo com a localização dos empreendimentos e a escala em que são desenvolvidos, mas, em geral, eles incluem questões relacionadas à segurança, projeto inadequado às necessidades familiares, e baixa qualidade dos materiais e acabamentos. Outros aspectos mencionados pelos entrevistados é que os usuários desejam segurança, presença de natureza, economia de recursos (água, luz e gás) e acústica adequada. No entanto, a relação entre eficiência energética e conforto térmico não é bem compreendida pelos usuários.
Com base na experiência e percepção profissional dos entrevistados, foram apontados problemas relacionados à falta de ventilação natural, falta de proteção solar nas janelas e uso de cores escuras nas fachadas. Além disso, os usuários também enfrentam aumento no custo de vida, patologias construtivas como umidade e erros de execução, questões de convívio e reclamações dos vizinhos, e falta de organização por parte dos moradores para lidar com os desafios de forma mais econômica.
i. Encontrar um equilíbrio entre produção em massa e necessidades individuais, incorporando normas e bases normativas, e considerando a variação de sistemas construtivos, área de abertura, orientação e demandas dos usuários.
ii. Incentivar o poder público a evitar o crescimento desordenado das cidades (o que leva os projetos habitacionais de interesse social para áreas periféricas) e buscando equacionar o preço da terra, por exemplo, subsidiando parte do terreno ou priorizando a localização próxima ao centro.
iii. Lidar com o adensamento populacional e a implantação de um grande número de unidades habitacionais em várias áreas da cidade, o que pode ter impacto na mobilidade urbana.
Outros desafios mencionados são a falta de recursos financeiros específicos para introduzir melhorias nos empreendimentos, a necessidade de inovação social na interação com os conjuntos habitacionais, a pouca flexibilidade e falta de variedade nos projetos, a falta de qualidade e exigências na legislação, a dificuldade de acesso e inserção urbana dos empreendimentos, e o acesso à terra, entre outros. Além disso, um ponto importante considerado foi a instabilidade orçamentária no setor da construção civil: a descontinuidade de investimentos no setor de habitação de interesse social que ocorreu entre 2018 a 2022 barrou a produção nacional e foi extremamente impactante.
É importante ressaltar que o modelo do PMCMV atualmente carece de levar em consideração as necessidades individuais dos beneficiários nos projetos. De fato, compatibilizar a alta demanda com a flexibilidade nas necessidades dos usuários é um dos desafios que não se tem perspectiva de solução. Por fim, a falta de qualidade e a falta de inovação na construção civil também são destacados como dificuldades do programa do ponto da política pública, uma vez que tecnologias e metodologias mais aprimoradas podem ser de solução a curto prazo (construções mais limpas, rápidas e baratas), e também a longo prazo (redução do consumo de energia, de custos com manutenção e aumento da vida útil de componentes construtivos).
Segundo os relatos das entrevistas, os usuários dos programas habitacionais percebem principalmente problemas relacionados ao conforto acústico. Questões de conforto térmico são menos reclamadas, em um primeiro momento, mas ao longo do tempo e da vivência no conjunto, os beneficiários começam a perceber possibilidades de melhorias de conforto térmico. A iluminação nos prédios multifamiliares causa menos problemas, mas em residências unifamiliares, reformas podem prejudicar a iluminação natural. A eficiência energética não é uma preocupação imediata para os usuários, mas eles podem interpretar a eficiência não como eficiência em si, mas sim por meio da conta de energia, uma vez que eles começam a ter esta despesa geralmente quando se mudam para o conjunto habitacional (e não tinham antes, em moradias precárias). É muito comum o uso excessivo de ar-condicionado, o que é um problema.
No pós-ocupação, ocorre uma rápida degradação devido à falta de gestão condominial e dificuldades na convivência comunitária, além da alta rotatividade de famílias. Melhorias podem ser alcançadas através de uma revisão do programa, considerando empreendimentos com custos condominiais mais acessíveis e uma gestão mais eficiente. Os usuários têm uma percepção limitada sobre o conforto ambiental e a eficiência energética, e priorizam questões como a falta de espaço em detrimento da melhoria da qualidade do ambiente: por exemplo, adaptam a habitação para aumentar um cômodo sacrificando uma janela. A tarifa social ou a falta de pagamento de contas de energia por alguns usuários pode influenciar sua percepção e valorização da eficiência energética. A questão acústica é uma reclamação comum, enquanto questões como eficiência hídrica não são percebidas pelos usuários. A implementação de tecnologias que melhorem a eficiência energética, como sombreamento, aproveitamento da iluminação natural e geração solar fotovoltaica poderia reduzir os custos e melhorar a qualidade de vida dos moradores.
Quando perguntados sobre estratégias de destaque positivas ou negativas com relação ao tema de conforto ambiental, eficiência energética e sustentabilidade em HIS foi percebido ser uma pergunta de difícil resposta. Dos treze entrevistados, seis deles não souberam dar uma resposta a essas perguntas, sendo que um deles colocou que não lembrava de estratégias positivas porque no geral a equipe de trabalho deles é somente acionada quando se apresentam problemas.
Entre os que responderam, e com relação ao destaque de estratégias positivas, alguns relacionaram a presença de certos elementos nos componentes da envoltória, como o uso de venezianas presentes em alguns projetos, o uso de janelas diferenciadas como as de piso-teto, por conta de um menor custo associado ao processo em obra, embora, não se tinha clareza em relação ao desempenho térmico, algo que deveria ser investigado, ou experiências com relação a alguns projetos presentes em São Paulo que apresentam uma planta considerada melhor resolvida, contudo não sendo considerados inovadores para eficiência energética e desempenho ambiental. Um dos entrevistados mencionou também como positivo a apropriação vista dos usuários do espaço externo do empreendimento formando uma comunidade. Além das estratégias citadas acima foi colocada a experiência do Programa Entidades como algo positivo e de destaque, em especial por conta de se tratar de usuários conhecidos. A menção aos resultados positivos do Programa, foram também colocados como resposta a outras perguntas por vários entrevistados, contudo foi colocado também que foram feitos poucos empreendimentos por esta via.
De forma geral se observou mais destaque a estratégias consideradas negativas entre as quais se mencionou a localização, algo muito presente ao longo de outras respostas da entrevista. O baixo desempenho das janelas de forma geral teve destaque entre vários dos entrevistados por conta de vários fatores, entre os quais, falta de sombra nelas ou quando presente a ineficiência da sombra (geralmente veneziana com duas folhas de correr), uso de cobogós de forma não adequada por não permitir o fechamento nos ambientes onde pode ser considerado incômodo por vezes uma ventilação constante em todos os horários (ex. banheiros). A falta da estratégia de sombreamento foi vista como algo negativo e importante de abordar na medida em que o sombreamento é considerado uma estratégia importante em basicamente todo o país. Observações mais pontuais foram em relação a problemas com sistema de aquecimento solar, dificuldade de ocupação dos empreendimentos em orientações adequadas, a falta de um modelo de avaliação pós-ocupação mais automatizado e questões de baixo desempenho térmico, onde foram observados por um dos entrevistados dormitórios que devem sempre fazer uso do condicionamento ambiental para obter conforto térmico.
Finalmente, com a pergunta surgiram algumas recomendações por parte dos entrevistados, que vale a pena mencionar, como a importância de incluir os diferentes atores do processo no desenho, sendo que uma experiência de processo participativo seria a de co-design ou os “living labs”, contudo foi ressaltado da importância de sempre dar feedback à população, quando do uso destes processos. Outra recomendação apontada foi a de ter-se programas específicos de eficiência energética com linha de financiamento própria, assim como divulgar ações existentes para que a população conheça. Por exemplo, existem ONGs que fazem reformas com custo baixo e muitas parcelas que poderiam ser usadas pela população. E na linha de componentes da edificação, foi recomendado uma maior atenção ao desenvolvimento de janelas mais eficientes, por ser uma estratégia que se destaca para todas as tipologias, de forma que possam integrar funções que permitam a ventilação, iluminação e proteção solar ao mesmo tempo, sendo enfatizado também a importância de pesquisar sobre os trade-offs do impacto delas.
Ao menos a metade dos entrevistados relataram que acreditam que o isolamento social durante a pandemia foi um privilégio das classes médias e altas, percebendo portanto, pouca mudança ou preocupação com relação ao Covid de forma geral no setor de HIS. Para eles, os problemas mais evidentes para essa população foram em relação às crianças, por diversas razões que incluem, não ter uma área adequada externa com qualidade nos empreendimentos para as crianças brincarem com segurança, a dificuldade dos adultos em cuidar delas pois continuavam nos trabalhos (a maioria dos trabalhos nessa parcela da população não era feita em casa ou de forma remota) e por ter demorado a volta à escola. Um dos entrevistados colocou a possibilidade de isso ter levado as famílias de volta à condição de coabitação.
Por outro lado, foi colocado por alguns dos entrevistados algumas preocupações das famílias nesse período, entre as quais a transmissão da doença por parte dos vizinhos, assim como a dificuldade de tratamento da doença em si, para pessoas que precisavam do isolamento. Por outro lado, se tornou evidente o problema de falta de trabalho na família e o consequente impacto financeiro com atraso nos pagamentos. O COVID também trouxe uma sobreposição de tarefas e funções, num espaço pequeno, o que evidenciou os problemas relacionados ao conforto e desempenho das habitações. Uma das entrevistadas colocou que numa pesquisa realizada em habitações de HIS perto desse período, mediram 42 °C das 14h até por volta das 17h. Isto em especial foi sentido para quem já trabalhava em casa ou estava desempregado. O COVID também deixou evidente que o modelo atual de moradia é baseado em uma unidade familiar que, por vezes, já mudou.
Na pandemia não se teve contratação de empreendimentos na Faixa 1, por esta razão, um dos entrevistados relatou ter mudado no seu setor o foco dos trabalhos, focando mais na regulamentação fundiária, entre outras atividades similares. Também foi colocado que se teve impacto na obra, por conta do custo elevado.
Para quem fez trabalho de pós-ocupação durante a pandemia foi relatado como sendo um grande desafio, o que levou a ampliar a interação por meios digitais como o whatsapp, utilizados para tratar questões do condomínio. Para eles, tiveram também problemas com aglomerações durante os períodos de isolamento da pandemia.
Para todos os entrevistados foi unânime a importância da existência de uma dinâmica de pré-ocupação para a produção de HIS, sendo apontadas por diferentes entrevistados algumas questões a considerar nela que possam incluir desde envolvimento do usuário na dinâmica do projeto, considerar as condições anteriores da vida dos usuários, conhecimento entre as famílias futuras usuárias até orientações prévias à ocupação do empreendimento. Contudo, a maioria dos entrevistados relataram que mesmo estando integrada no discurso do programa de habitação, geralmente esta dinâmica não existe na maior parte dos empreendimentos com exceção dos empreendimentos gerados por meio do Programa Entidades. Alguns entrevistados colocaram a inexistência desta dinâmica como uma falha no programa, pois para eles determina o impacto durante a ocupação. Por exemplo, conhecer a condição de moradia anterior dos usuários e escolher as famílias para os empreendimentos de acordo com os requisitos que elas buscam ajuda a criar vínculos com o local ficando nele. Caso contrário, esta foi apontada como uma das razões pelas quais as famílias não ficam nos empreendimentos.
Uma das questões colocadas como necessária na etapa de pré-ocupação para além de propiciar-se o conhecimento entre os moradores incentivando o fortalecimento de vínculos, foi a de ser uma etapa em que os usuários recebem orientações sobre o financiamento, a dinâmica, regras e responsabilidades perante ao condomínio, dos novos gastos, sobre a estrutura do condomínio, capacidade elétrica para instalação de equipamentos e orientação para possíveis intervenções e reformas. Nesta linha, veio uma sugestão por parte de um dos entrevistados que aproveitou como parte da dinâmica de preocupação para a obtenção de dados e criação de benchmarking de antes e após o uso do empreendimento. Sendo que foi recomendado ter uma rotina de “commissioning” testando a edificação antes de entrar, com treinamento do pessoal de manutenção para a edificação operar de forma ideal reduzindo assim problemas na pós-ocupação.
Três outras questões foram levantadas como resposta a esta pergunta. Uma delas, por parte de um entrevistado que chamou a atenção aos problemas criados por condomínios fechados, qualificando-os como espaços nocivos para a cidade, pois criam isolamento social. Contudo, por vezes este fechamento é pedido pela própria comunidade como uma forma de se proteger do tráfico de drogas. Outra questão levantada por vários entrevistados, foi que as famílias sempre veem inicialmente como uma melhoria a mudança para os novos projetos, na medida em que muitas delas vêm de condições altamente precárias e estar num novo projeto com endereço dá uma identidade para eles. Contudo, após um tempo começam a perceber os problemas. Um entrevistado colocou este tempo como sendo de 2 a 3 anos, talvez acelerado no período da pandemia. A outra questão levantada como problemática para as famílias é de ter-se que adaptar com pagamento de contas e o pouco espaço. Este último foi relacionado por um dos entrevistados agravado com o uso de sistemas construtivos que não permitem flexibilização ou adaptação e o uso de tipologias iguais, denotando falta de preocupação com os usuários.
Finalmente, conforme colocado acima, o programa Entidades foi visto ao longo de todas as entrevistas como o grande exemplo positivo na produção de habitação social, sendo citado em várias das respostas e por vários entrevistados. Em especial se tratando da forma de abordagem da pré-ocupação. A produção de empreendimentos que não o Entidades, geralmente parte de iniciativas das empresas e os beneficiários são sorteados, a partir de uma lista prévia, não tendo-se uma identidade com o empreendimento e sim uma relação desconexa. Já no programa Entidades se parte da iniciativa de uma organização social e os beneficiários podem influenciar o projeto. Desta forma, as famílias se conhecem desde a origem do empreendimento. Um dos entrevistados explicou em maior detalhe o funcionamento do programa Entidades, como sendo um formato do PMCMV em que Entidades Privadas Sem Fins Lucrativos, que têm um histórico de luta por moradia, pleiteiam uma HIS junto ao governo, e depois continuam fazendo trabalhos com as famílias beneficiadas. Um exemplo de entidade é o MST Leste 1 ou UNLPM (Unidade Nacional de Luta por Moradia). São ao redor de sete organizações nacionais. Eles ensinam, entre outras ações, como usar a casa, os equipamentos e como mantê-la. Existem entidades em várias cidades que formam grupos específicos em vários empreendimentos, sendo que as pessoas nessas organizações muitas vezes lutam independentemente de serem ou não contempladas nesse empreendimento. Outro ponto ressaltado como positivo é que as associações acompanham as famílias até 12 meses após a ocupação de forma paga pelo programa, porém, muitas delas continuam com as famílias por muito tempo. Sendo explicado também que por vezes as prefeituras têm-se apropriado do programa.
Todos os entrevistados consideram a dinâmica da pós-ocupação muito importante ao igual que coincidem em afirmar que a gestão condominial, do patrimônio e manutenção é complexa para esse setor. Também foi afirmado por alguns que as ações mencionadas na pergunta anterior contribuem para melhorar a dinâmica durante a ocupação das habitações de interesse social, inclusive para a organização no período da mudança, que conforme apontado por um dos entrevistados, exige uma dinâmica bem coordenada para evitar conflitos.
Um dos entrevistados detalhou sobre as atividades da etapa de pós-ocupação que incluem o acompanhamento do beneficiário realizado pelo ente público (prefeitura) e pelo ente financeiro (CAIXA). A Portaria 464/2018 regulamenta os trabalhos sociais, que são as atividades de acompanhamento, durante 12 meses, da avaliação pós-ocupação das HIS. De forma geral, para os entrevistados, o trabalho acontece, porém foi colocado como sendo deficitário, sem apresentar um processo educacional ou avaliação em si.
Neste sentido, a educação foi ressaltada como algo muito relevante na dinâmica da pós ocupação, que inclui como operar o edifício, pois existem muitas pessoas que vivem em condições muito precárias e precisam ser ensinadas em algumas questões de uso da casa que podem ser consideradas básicas. Como exemplo foi dado que algumas pessoas não possuem banheiro na sua condição de moradia anterior.
De forma geral, o acompanhamento na etapa de pós-ocupação foi visto como essencial para garantir a permanência das famílias, dessa forma, foram elencadas entre os entrevistados alguns problemas e desafios identificados na etapa de pós-ocupação e sugeridas algumas soluções. Dentre os problemas e desafios foram listados:
padronização da etapa da pós-ocupação, pois embora há oportunidade para “ensinar” o beneficiário como operar da melhor forma a sua residência, muitos usuários não conseguem nem ler, pelo que deveriam ser consideradas diferentes soluções,
pagamento de contas, inadimplência,
gestão condominial com gerenciamento de novos espaços e a existência de regras no condomínio,
manutenção,
dificuldade de vivência no coletivo,
manter interesse pelo ambiente físico de forma contínua,
profissionais na etapa de pós-ocupação chegam depois que a ocupação já aconteceu,
sentimento de pertencimento das pessoas prejudicado em caso de condomínio,
falta de identidade de comunidade,
área de lazer que por vezes é “privatizada” e ocupada,
aspectos arquitetônicos como ruas com pouca arborização ou algumas tipologias podem gerar animosidade (exemplo: portas enfrentadas mantidas abertas para ventilação, pode causar problemas entre vizinhos),
falta de segurança para acompanhamento (relatado sentir medo quando alunas trabalham em pesquisa e vão a campo devendo sempre estar acompanhadas) pois por vezes se tem problemas com tomada dos empreendimentos por milícia ou tráfego de drogas, contudo foi considerado não ser um problema somente do Programa habitacional,
muros nos conjuntos habitacionais construídos por problemas de convivência ou por conflitos entre vizinhos evidenciando o limite da privacidade e do convívio.
Entre as sugestões foram colocadas:
ter-se acompanhamento no primeiro ano com educação incluindo diversos profissionais que abrangem além do assistente social, também arquiteto, engenheiro. Com relação a este ponto foi mencionado que o programa da Assistência Técnica em Habitação de Interesse Social (ATHIS) coordenado pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) poderia ajudar (por exemplo: fazer workshops com a comunidade para deixar as áreas comuns com melhor ambiência) e sobre o papel do arquiteto, foi considerado que deveria ser um facilitador de envolvimento para entender as demandas, mantendo contato com a comunidade, porém não de forma paternalista,
ter-se auxílio financeiro no início para pagamento das contas e ir regredindo ao longo do ano,
contribuir no protagonismo do ente local para ter apoio ecombater a violência,
loteamento considerado melhor do que condomínio, porque o poder público pode entrar, contudo no caso da existência de condomínios considerou-se positiva a redução do tamanho dos mesmos com menos unidades habitacionais que está sendo prevista no novo PMCMV,
habitações de interesse social espalhadas na cidade, a exemplo do que acontece no Reino Unido onde por Lei 20% em todos os edifícios devem atender demanda de HIS, gerando com isso menos conflitos,
proporcionar que a comunidade se aproprie dos espaços que são públicos e da vizinhança,
promover o empoderamento das pessoas para melhorar a questão de conquista de coisas.
Com relação a uma empresa externa administrar os empreendimentos, foi observada divergência de opiniões, alguns considerando como algo positivo e outros não. Alguns colocaram que poderia existir um agente externo para gerenciamento, porém em permanente comunicação com pessoas internas. Igualmente com relação às reuniões de condomínio, foi expresso que não podem ser tratadas como reuniões normais, sendo que um entrevistado comentou que a experiência de usar ONG, por vezes tem dado melhor resultado.
Finalmente, sobre o papel da universidade foi comentado que pode ajudar, porém somente para estimular.
Para os entrevistados, o governo federal tem um papel importante em especial, conforme mencionado por um deles, na definição de regras, o que pode ser construído, onde e por que, dando limites e regras para seleção dos terrenos e para as condições mínimas de construção. De forma geral se mostraram com esperança na proposta a ser lançada pois apresenta um bom potencial para melhoria. Diversas sugestões foram dadas pelos entrevistados quando perguntados sobre o papel do governo para melhoria do programa habitacional. As sugestões são em várias esferas e acreditam que existem muitos aspectos de melhoria, igualmente que a especificação é um aspecto importante, mas não garante o sucesso, considerando, por exemplo, que a seleção de melhores terrenos não garante sempre um bom projeto com qualidade arquitetônica, de desempenho e urbanística. De forma geral as respostas podem ser resumidas em mecanismos para aquisição de melhores terrenos, melhoria na qualidade arquitetônica, urbanística e de desempenho dos projetos, melhoria no processo de manutenção, garantir processos participativos e segurança na continuidade do programa, melhoria nos processos de pré e pós-ocupação e outros aspectos de inovação. De forma mais específica as sugestões incluem:
Mecanismos para aquisição de melhores terrenos:
por meio de incentivo financeiro do governo para adoção de melhores terrenos, que pode incluir isenção de impostos para baratear o custo da terra e aporte do ente público para melhoria da qualidade
Melhoria na qualidade arquitetônica, urbanística e de desempenho dos projetos:
inclusão de um indicador de qualidade nas aprovações de projetos, servindo como uma certificação específica para o PMCMV, que propicie adequação à Norma de forma mais simples e direta,
incentivos ao uso de renováveis,
compulsoriedade de normas e legislações vigentes,
diretrizes claras de sustentabilidade para os empreendimentos.
Melhoria no processo de manutenção:
introdução de melhorias através de programas contínuos fortes com protocolos, a exemplo do que acontece em locais como Europa e Estados Unidos. Deveria ser necessário a introdução de melhorias de eficiência energética e aproveitada a oportunidade para melhoria em outras vertentes, como qualidade e estética (por exemplo, na Europa são utilizadas oportunidades para melhorias por vezes estéticas, na fachada ou nos acabamentos na cozinha e banheiros),
incentivos municipais para redução dos custos operacionais para as famílias, considerando investimento em eficiência energética, isenção em impostos e taxas como o IPTU, taxa de coleta de resíduos sólidos,
manter programas de qualidade, porém sem espantar as construtoras. Para um dos entrevistados, o “programa de olho na qualidade” pode espantar um pouco.
Garantia de processos participativos:
promoção de processos participativos que criem coesão social e oportunidades,
pensar no habitar de forma mais ampla, abrigando mais dimensões de uma unidade habitacional por meio do entendimento das necessidades das pessoas,
envolvimento do usuário para garantir perenidade, o que pode ser feito com base em benefícios que recebem como melhoria dos custos e das condições de conforto,
olhar para as comunidades de forma mais específica,
entendimento de não ser um grupo homogêneo que pode ter diferenças no poder aquisitivo.
Segurança na continuidade do programa:
garantir o orçamento estável e investimento constante no programa para poder conseguir-se melhoria contínua das especificações,
melhoria nos processos de pré e pós-ocupação,
maior organização e entendimento dos atores envolvidos no processo e do seu papel com proposta de soluções inovadoras, parâmetros mais exigentes e pessoas para acompanhar,
garantir mecanismos de acompanhamento com equipe multidisciplinar, que incluem arquitetos ou estabelecimento de parcerias para acompanhamento,
fornecer acompanhamento na pré e pós ocupação e incentivos para acompanhamento de profissionais, como assistente social.
Inovação
reestruturação e revisão do modelo do PMCMV envolvendo mais o ente público (prefeitura), embora se considere que por questões culturais, o fornecimento da “casa própria” ainda precisa prevalecer,
tratar os empreendimentos da HIS faixa 1 como um empreendimento da cidade,
existência de habitações padrão transitórias pensadas como aluguel social,
realização de concursos para HIS com interdisciplinaridade,
valores praticados devem ser atraentes com o mercado,
construção de embriões que possam ser facilmente ampliados pela população, a exemplo do trabalho desenvolvido no Chile pelo arquiteto Alejandro Aravena,
criação de banco de dados nas secretarias de habitação municipais,
ampliação da estrutura nas prefeituras para trabalho com habitação,
planejamento de empreendimentos com salas comerciais que auxiliem na manutenção dos custos do condomínio, entre outras ações com parceria com a iniciativa privada.
Finalmente a colocação de uma entrevistada resume sucintamente o que foi transmitido pelos entrevistados de forma geral:
“Não é só a “Minha Casa, Minha Vida”, é “A Casa e a Vida”.
1
Ensino em arquitetura
Professora do departamento de arquitetura UFSC
04/04/2023
2
Ensino em arquitetura
Professor do departamento de arquitetura UFAL
17/04/2023
3
Ensino em arquitetura, pesquisa em HIS
Professor do departamento de arquitetura Unicamp
18/04/2023
4
Assistência social
Coordenadora da área de assistência social da Secretaria Nacional de Habitação (SNH/MCid)
24/04/2023
5
Proposição de políticas públicas e gestão da qualidade em HIS
Coordenadora do setor de indicadores sociais da Secretaria Nacional de Habitação (SNH/MCid)
27/04/2023
6
Ensino em arquitetura
Professora do departamento de arquitetura UFAL
05/05/2023
7
Vistoria de projetos e obras do PMCMV
Engenheiro civil e Coordenador de Filial da Gerência de Habitação da Caixa Econômica Federal
15/05/2023
8
Ensino em arquitetura, pesquisa em HIS
Professora do departamento de arquitetura UFU
16/05/2023
9
Ensino em arquitetura, pesquisa em HIS
Professora do departamento de arquitetura UFPB
16/05/2023
10
Ensino em arquitetura, pesquisa em HIS
Professora do departamento de arquitetura UEL
23/05/2023
11
Assistência social na esfera municipal (contato com as famílias beneficiadas)
Coordenadora na Secretaria de Habitação da Prefeitura de Florianópolis
23/05/2023
12
Melhoria da saúde de populações em habitações precárias
Pesquisador e coordenador do Programa de Desenvolvimento do Campus Fiocruz Mata Atlântica - Fiocruz
22/06/2023
13
Incorporação de empreendimento
Gerente executivo de sustentabilidade na construtora MRV
23/06/2023